Olá,
espero encontrá-los bem.
Hoje reservei esse espaço para falar do filme “Living”. O seu protagonista é o ator Bill Nighy, o mesmo de outro filme que eu adoro, ‘Simplesmente Amor’, onde o ator se destaca como uma estrela do Rock em decadência. Nesse personagem, ele interpreta um cara meio inconsequente que viveu os prazeres da fama de forma leviana, imprudente ao longo dos anos, sem a preocupação de criar laços verdadeiros com as pessoas. Acaba só, sem família, e conta apenas com o afeto de um produtor, seu fã e admirador.
Bill Nighy em Simplesmente Amor
Em contrapartida, em ‘Living’, Bill é o personagem Williams, um homem sério, comprometido e respeitado. A sua postura é nobre e cortês, o que combina muito com a Londres de 1950. Seu trabalho como líder respeitado de uma divisão da prefeitura consiste em receber solicitações, que acumulam na pilha ao seu lado, muitas vezes sem um fechamento. Uma função burocrática e monótona, a qual executa todos os dias, há 40 anos.
Essa realidade é bem diferente da rotina de um músico famoso. Muito pelo contrário, seus dias eram iguais, sem exaltação, e apenas a continuação do dia anterior. Para Williams, a seriedade endureceu a vida e o distanciou de todos que eram importantes e próximos. Já para o roqueiro, foi a leviandade inconsequente que fez sua vida resultar no mesmo. A tamanha liberdade de um e a sisuda rigidez de outro: dois extremos que nos levam a um destino muito semelhante.
Olhemos para o Sr. Williams: ao receber o diagnóstico de uma enfermidade e que lhe restam poucos meses de vida, ele começa a repensar o que fez até ali: Quase nada, ele conclui. Uma vida de rotina, fazendo o que lhe era obrigação. Dia após dia, a mesma sentença.
Começa então, a rever seus valores, a dar mais atenção às nuances dos seus dias, à beleza das horas e aos prazeres mundanos. Pede uma licença no trabalho e passa a aproveitar melhor as horas e o dinheiro que economizou a vida toda.
Durante o período sabático, reencontra uma moça que fora sua subordinada por algum tempo. A partir dali começam a se ver com frequência e terem longas conversas. E ela passa a ser uma amiga, a única a qual confidencia sua enfermidade, e a única que lhe devolve o calor e acolhimento que só as relações humanas permitem.
A moça, portanto, é jovem, alegre, espontânea, cheia de vida, o exato contraste entre suas personalidades, o que acaba aproximando os dois. Ela se apega a uma figura paternal, atenciosa, um mentor. Já o que atrai Williams é a sua vitalidade. Ele se encanta talvez não pela moça, mas pela sua forma de viver, talvez até de forma inconsequente, e a juventude que manifesta em seus gestos.
Em certo momento, ele revela que seu sonho de criança era ser um cavalheiro e ao olhar para trás e rever o que fez ao longo da vida, ele percebe que poderia ter feito mais pelos outros e ter tido mais obstinação em suas obrigações. Afinal, cumprir as tarefas do calendário não era o bastante. Fazer algo que tocasse ou mudasse de verdade a vida de alguém, sim, seria uma atitude nobre de um perfeito cavalheiro.
Já li sobre relatos de médicos e enfermeiros sobre pessoas que, no seu leito de hospital ao fim da vida, se arrependem não do que fizeram, mas do que deixaram de fazer, e que preferiam ter acumulado mais tempo com a família do que todo o dinheiro do mundo. Passado mais horas alegres, divertidas com amigos.
Preferiam ter vivido o presente do que as horas preocupadas com o futuro. Ter demonstrado amor, gentileza e carinho pelas pessoas importantes em suas vidas.
Nós já ouvimos isso. Já pensamos sobre isso. É o que nos envolve em histórias bem contadas e bem ambientadas dos filmes como Living, com uma trilha sonora que nos emociona. Queremos encontrar ali pistas do que buscamos todos os dias na vida. As respostas a essa imensidão de dúvidas sobre qual é a nossa missão nesta jornada, e o que vale a pena em meio a tantos desafios.
O porquê de estarmos aqui e o que está acontecendo à nossa volta, o qual não conseguimos enxergar. O que pode, afinal de contas, aprimorar nossa existência?
Por que chegamos a algumas conclusões e mesmo assim é tão difícil a leveza nos dias e tão pesado enfrentar os percalços da vida? Por que nos demoramos em angústias, dúvidas, raiva, ansiedade? Por que nos prendemos tanto ao passado?
Ao rolar da tela nos sentimos próximos de nossos conhecidos e amigos. Nos sentimos incluídos em suas vidas ao saber das novidades. Mas quando foi que permitimos que um telefonema de alguns minutos de contato, com a troca de vozes e calor, ou uma visita, um abraço, foram substituídos por uma seca e inerte mensagem de “Parabéns" no Direct? Ou o coração vermelho confirmando que você curte muito? Eu, você, todos nós estamos agindo dessa forma de alguma maneira mecânica.
Por que a pressa passa por cima da empatia e é tão raro ver gentileza nos gestos das pessoas, seja no parar o carro na faixa para o outro passar, ou dar a vez na fila do pão? Os bons costumes e os gestos nobres estão desaparecendo das convenções sociais?
Não generalizemos, pois para tudo há exceções. Mesmo assim não podemos negar que o mundo está embrutecendo. O que começa quando não desligamos o celular em um jantar. Não olhamos para o outro enquanto conversamos. Quando um simples olhar nos olhos ficou obsoleto?
Talvez a cumplicidade com alguns amigos passe, e não faça mais sentido nos demorarmos em algumas relações. Mas será que estamos tendo tempo e presença nas relações atuais?
A poesia do filme Living está nessas nuances. Mostra o quanto seria uma pena, um desperdício, viver sem ter vivido. E talvez, talvez, o grande porquê de toda nossa existência seja esse. Encontrar o agora em meio aos dias da semana. Aproveitar o que e quem nos rodeia em cada ciclo. Viver calor humano das relações. Está tudo no que já temos, e não no que buscamos por horas de forma hipnótica ao rolar a tela.
Seguimos.
Que a força esteja com você.
Um abraço, Luiza